domingo, 13 de dezembro de 2015

Acordo do clima selado na COP 21 de Paris

* Ecio Rodrigues
A Convenção sobre Mudança Climática foi assinada em 1992, durante a realização da Rio 92. A partir de então, todos os anos os países se reúnem para discutir o tema e negociar as metas destinadas a mitigar os efeitos do aquecimento do planeta.
E ainda que no início – sobretudo até 1997, quando da aprovação do Protocolo de Kyoto – houvesse um pequeno grupo de países e cientistas que teimava em negar a ocorrência do aquecimento, hoje é possível dizer que a Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, COP da sigla em inglês, se transformou num dos principiais eventos realizados sob a chancela das Nações Unidas, a ONU, sempre gerando muita expectativa em âmbito mundial.
Embora a sociedade cobre mais empenho para o estabelecimento de regras que minimizem a crise ecológica atual, o fato é que, sob a velha sistemática que prevê um passo de cada vez, nos últimos 20 anos se conseguiu avançar de maneira surpreendente e até certo ponto inusitada para o padrão ONU.
Em 2015, depois de superarem as resistências quanto à constatação de que o clima do planeta está sendo alterado e, mais importante ainda, de reconhecerem que essa mudança não é natural, mas decorrente do modo de vida atual, os países associados à ONU chegaram à realização da 21ª COP, em Paris.
Pela primeira vez os Estados Unidos se uniram à União Europeia e também aos países insulares (mais afetados pelo aquecimento, em função do aumento do nível do mar causado pelo derretimento das calotas polares), formando uma coligação com o sugestivo nome “Coalizão da Ambição” – numa alusão às 3 principais expectativas que, esperava-se, fossem atendidas no processo de negociação.
Em primeiro lugar, e suplantando-se o voluntarismo característico do Protocolo de Kyoto, as metas de redução do carbono (leia-se fumaça) lançado na atmosfera deveriam ser obrigatórias – ou legalmente vinculantes, no dizer dos diplomatas.
Em segundo, e mais importante para as nações desenvolvidas, essas metas deveriam ser anualmente quantificadas, para só então ser avaliadas. Para tanto, o primeiro passo foi obrigar os países a estimar, ainda antes da abertura da COP 21 e no intuito de demarcar um índice para as negociações, a quantidade de carbono que deixariam de emitir a cada ano.
Por fim, a terceira expectativa, e provavelmente a mais importante para os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, diz respeito ao pagamento da conta necessária para a adaptação desses países a uma economia que reduza paulatinamente o uso de petróleo e carvão mineral em suas matrizes energéticas.
As expectativas do mundo foram atendidas no “Acordo de Paris”, o pacto aprovado no sábado, dia 12/12/2015. Por essa razão, e também porque foi assinado por todos os 195 países associados à ONU, o acordo imediatamente passou a ser considerado um documento histórico.
As metas são obrigatórias, na medida em que as ações com as quais os países se comprometeram serão auditadas e revisadas pela ONU a cada 5 anos, a partir de 2020. Definiu-se como objetivo no documento uma redução, na temperatura do planeta, “muito abaixo de 2o C”, fazendo-se referência a uma minoração “ideal” de 1,5o C.
Criou-se o “Fundo de Adaptação”, no montante anual de 100 bilhões de dólares, para subvenção das economias frágeis. O dinheiro deverá sair da conta dos países ricos e abastecer um fundo internacional, que, por sua vez, vai estabelecer as regras de transferência para os países em desenvolvimento. Regras complexas, mas aferíveis, de forma a vincular o recebimento do dinheiro à realização de ações voltadas para evitar o desmatamento, diminuir a dependência do petróleo e assim por diante.
Trata-se, não há dúvida, de uma guinada nos rumos da existência humana, e a história há de registrá-la. Cabe a nós, brasileiros, honrar a palavra dada ao mundo de zerar o desmatamento na Amazônia – o legal e o ilegal.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasíli

domingo, 6 de dezembro de 2015

Expectativas rondonienses para a COP 21

* Ecio Rodrigues
Há alguns anos, falava-se na possibilidade de “rondonização” do Acre. Essa ameaça assustou os acreanos a tal ponto que serviu, inclusive, como mote para algumas campanhas eleitorais bem sucedidas. Parecia existir uma rivalidade subliminar entre os dois estados, ante a qual ficava subtendido que, pelo lado de Rondônia se endossava um progresso a qualquer custo e, pelo lado do Acre, um ambientalismo sem custo algum. Dois extremos, obviamente.
E provável que a realidade hoje já não justifique o temor dos acreanos, afinal, ao optar pelo agronegócio em detrimento do ambientalismo supostamente invocado pelo estado vizinho, Rondônia logrou melhorar significativamente o seu IDH.
Evidente que uma decisão de tal porte, pelo agronegócio, traz consequências igualmente decisivas para a sociedade e para os rumos da ocupação produtiva em território estadual. Durante as décadas de 1980 e 1990, Rondônia figurou, em conjunto com Pará e Mato Grosso, entre os maiores desmatadores da Amazônia.
A consolidação desse processo de ocupação produtiva, baseado primordialmente nos plantios de soja e na criação de boi, custou ao estado a redução de suas florestas a menos da metade da superfície antes ocupada pelo ecossistema florestal natural.
Para acalmar os poucos ambientalistas locais, e os muitos de outras paragens, os gestores estaduais foram levados a realizar o zoneamento. Sob pressão do governo federal (que, por sua vez, era pressionado pelo mercado internacional das commodities) e com dinheiro emprestado do Banco Mundial, o Zoneamento Ecológico-Econômico do território rondoniense foi concluído no final da década de 1990.
Uma segunda aproximação foi definida pela Lei nº 233/2000, que recebeu o pomposo designativo de Lei do Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado de Rondônia.
Como ocorreu na maioria dos estados amazônicos, a elaboração e aprovação de legislação para instituição do zoneamento em pouco alterou o rumo dos acontecimentos. Ocorre que as regiões com melhores condições de logística, sobretudo por sua proximidade com rodovias pavimentadas que possibilitam o escoamento da produção, foram, de imediato, entregues à exploração pelo agronegócio.
E outras áreas que mais tarde se tornariam acessíveis ficaram, de certa forma, reservadas, à espera de futuras revisões – que foram chamadas de “aproximações”. Quer dizer, aproximar o zoneamento da realidade equivaleria a permitir o uso pelo agronegócio de novas áreas, antes sem acesso rodoviário.
Não deve haver expectativa em Rondônia de que, nas terras atualmente entregues ao agronegócio e que representam mais de 80% do total de área desmatada, ocorrerá um processo natural de sucessão florestal até o surgimento duma nova floresta, semelhante à que foi desmatada há mais de 40 anos.
Essa utopia ambientalista pode ser descartada: a área de floresta nativa desmatada durante a consolidação do agronegócio, na melhor das hipóteses, vai ser destinada às florestas plantadas – como as de eucalipto, por exemplo.
Por outro lado, a possibilidade de ampliação do perímetro ocupado pelas unidades de conservação parece ser igualmente utópica. Num estudo recente sobre o desmatamento ocorrido nessas áreas protegidas – que foram instituídas, esclareça-se, justamente para evitar a indesejável prática – das 5 unidades de conservação mais desmatadas da Amazônia, 3 estão localizadas em Rondônia.
Mas, afinal, o que podem esperar os rondonienses dos resultados da COP 21, a reunião da ONU que acontecerá em Paris, França, em dezembro próximo e na qual será negociado um novo acordo climático global?
Ou o agronegócio continua seu inexorável processo de consolidação, ou o desmatamento será, enfim, banido em Rondônia. Não existe terceira via.


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 22 de novembro de 2015

Expectativas amazonenses para a COP 21

* Ecio Rodrigues
No Amazonas, a classe política, de forma preponderante e inusitada, acredita enfaticamente no grande equívoco de que a Zona Franca de Manaus funciona como freio para o desmatamento. Tal convicção se escuda nas baixas taxas anuais de desmatamento observadas naquele estado, que deixam os amazonenses bem distantes dos elevados índices exibidos pelos paraenses, seus competidores diretos pelo domínio econômico regional.
Trata-se de um grande equívoco, porque a atividade produtiva desenvolvida no âmbito do modelo de Zona Franca, caracterizada, nesse caso, pela presença de montadoras de artigos como eletroeletrônicos e veículos de duas rodas, não tem qualquer tipo de interferência sobre a taxa de desmatamento.
Com efeito, não seria sensato supor que um setor industrial cujos artefatos são produzidos em unidades fabris instaladas na região Sudeste e apenas montados em Manaus (no intuito exclusivo de obter benefícios fiscais) seja capaz de intervir no processo de ocupação produtiva desencadeado no meio rural amazonense.
Insensatez ou não, esse pseudoargumento, que as montadoras da Zona Franca de Manaus refreiam o desmatamento, foi largamente utilizado – com sucesso, aliás – para convencer os parlamentares em Brasília a prorrogar os benefícios fiscais inerentes à Zona Franca até 2073. Um disparate, claro.
Muito provavelmente, as reduzidas taxas de desmatamento medidas no Amazonas estão relacionadas, em primeiro lugar, à gigantesca superfície territorial desse estado, que alcança 157,07 milhões de hectares – a maior do país.
Em segundo lugar, também tem grande influência a localização geográfica do Amazonas.  Além de se distanciar da frente de expansão agropecuária representada pelo Arco do Desmatamento, o território amazonense não possui ligação rodoviária com o restante do país. Essa condição, é bom ressalvar, poderá ser fortemente alterada com a conclusão da rodovia BR 319, que vai de Manaus a Porto Velho, em Rondônia.
Não à toa a área desmatada se concentra nas porções sul e sudeste do estado, mais próximas e com acesso ao Arco do Desmatamento. Por sinal, o maior rebanho estadual pertence ao Município de Boca do Acre, que faz divisa com o Acre e é ligado a este por estrada.
A pecuária é a atividade com maior taxa de crescimento e a principal responsável pela ampliação do desmatamento. Por outro lado, as Reservas Extrativistas, que podem funcionar como alternativa ao modelo colonizador assentado na criação de gado, integram uma parcela de terra considerável, totalizando 3,51 milhões de hectares, de acordo com o censo agropecuário de 2006.
Diante dessa realidade, é razoável prever que, dos estados amazônicos, o Amazonas pode ser o mais impactado pelos resultados da COP 21, conferência da ONU sobre mudanças climáticas que acontecerá em Paris, França, em dezembro próximo.
Diferentemente do que ocorre com os vizinhos Rondônia e Pará, o Amazonas não tem consolidada a opção pelo agronegócio, ao tempo em que possui expressiva área destinada às Reservas Extrativistas e à mata ciliar. Desse modo, o estado tem a chance se firmar como exemplo de projeto de economia de baixo carbono – o que seria inédito na região.
Experiências já realizadas, sob tímida alocação de recursos até o momento, como o Centro de Biotecnologia da Amazônia, a Bolsa Verde e assim por diante, poderão receber apoios expressivos de outros países, de forma a adequar o processo de ocupação produtiva levado a cabo pelos amazonenses aos padrões de sustentabilidade mundialmente requeridos.
Ainda que os políticos queiram atrelar o futuro do estado à existência da Zona Franca, o Amazonas poderá traçar um caminho bem diferente. É esperar para ver!  


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 15 de novembro de 2015

Expectativas acreanas para a COP 21

* Ecio Rodrigues
Durante toda a década de 1990 e um pedaço da seguinte, o Acre gozou do status de bom exemplo quando o assunto era o desmatamento na Amazônia. Ostentando taxas quase sempre inferiores às demais localidades amazônicas, o estado se orgulhava de sua reputação ambientalista.
Mas, como costuma acontecer com tudo o que é frágil, com toda conjuntura que não decorre de diretrizes inequívocas e políticas bem resolvidas, essa situação em muito se alterou.
Sem tentar estabelecer o ano, ou o momento histórico, como gostam os historiadores, em que a ação estatal para contenção do desmatamento descarrilhou, o fato é que as estatísticas de desmatamento no Acre assustam o governo federal e os ambientalistas – que, aliás, sempre foram aliados de plantão.
Os números atuais sobre a dinâmica do desmatamento na Amazônia apontam que dois municípios do Acre figuram entre os dez que mais desmatam na região.
Foi assim em 2014, e tudo indica que continuará assim em relação ao período que vai de agosto de 2014 a julho de 2015, cujo diagnóstico o Inpe deve publicar nas próximas semanas.
Por sinal, existe a possibilidade de o relatório sobre o desmatamento trazer números vexaminosos justamente no momento em que a comitiva de autoridades públicas estaduais arruma as malas para ir a Paris prestigiar a COP 21.
Acontece que, bem diferente do ambientalista de outrora, o Acre de agora deverá reconhecer o esgotamento do discurso de sustentabilidade, que tanto ajudou a eleger seus políticos.
Tudo indica que o propósito de estabelecer o diferencial de uma sociedade que respeita o meio ambiente e valoriza a floresta se perdeu, diante da ausência de investimentos estatais que transformassem em realidade o que era repetido nos palanques eleitorais.
Ao que parece, é preciso muito mais vontade e competência que discursos e preleções para se alcançar uma saída que forneça trabalho e renda por meio da criação de um Cluster Florestal – vale dizer, um sistema de produção baseado na exploração da biodiversidade presente no ecossistema florestal, compreendendo um aglomerado de empresas do setor primário, secundário e terciário e com escala de produção pequena, média e grande.
Talvez o fato mais emblemático dessa triste mudança de rumo, que reflete uma realidade que desmascara a continuidade da pregação de que o Acre é sustentável, tenha sido a extinção da Secretaria de Florestas.
Na condição de espaço estatal para discussão e aperfeiçoamento de um setor que abrange desde o seringueiro ao industrial da madeira, a lacuna deixada pela Secretaria de Florestas não foi preenchida e não há perspectiva para a condução da política estadual destinada à produção florestal.
Aos extrativistas, que se encontravam em processo de mobilidade social para atingir o patamar de manejadores florestais, resta a opção pela pecuária, setor para o qual o apoio estatal nunca deixou e nunca deixará de chegar.
Aos industriais da madeira – uma vez que o setor industrial, inclusive aquele vinculado à construção civil, não representa, e não representará no médio prazo, alternativa de investimento no Acre – resta ouvir o gerente do Basa, que há 30 anos vem repetindo: é melhor investir na pecuária.
Aos gestores do Acre presentes na COP 21 resta pouca coisa a oferecer – e, inevitavelmente, muito a explicar.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Grupo de Pesquisa Interação Água e Floresta na Amazônia durante o X Fórum MAP (Madre de Dios, Acre e Pando).

          Trata-se da síntese de duas monografias defendidas no curso de Engenharia Florestal e que tem com propósito estudar a relação entre o estágio de conservação da mata ciliar e a qualidade da água no rio Acre (no caos do autor Victor) e a influência na alagação do rio Purus (no caso da autora Lorenna).
          O Grupo de Pesquisa Interação Água e Floresta na Amazônia é registrado no CNPq desde 2010 e reúne pesquisadores da Ufac do Ifac e da Unesp.
         Já produziu um conjunto de 26 monografias sobre a mata ciliar do rio Acre e rio Purus. Outras 4 monografias, relacionadas à mata ciliar dos igarapés da bacia hidrográfica do rio Acre  estão em fase de elaboração.
         Atualmente possui dois mestrandos na UFRGS (Lorenna e Victor) e um doutorando na UnB (Luiz Azevedo) realizando estudos em nível de pós-graduação nessa linha de pesquisa.


Produção de madeira manejada: única saída para Reservas Extrativistas

* Ecio Rodrigues
Pesquisadores e acadêmicos não costumam dizer “nunca”. Acham que o exercício da ciência sempre prevê um caminho alternativo e que é possível encontrar uma segunda ou terceira via para tudo, ou quase tudo. Esse entendimento, entretanto, não se aplica ao tema das Reservas Extrativistas localizadas em terra firme na Amazônia.
No caso dessas unidades de conservação, destinadas ao aproveitamento de recursos oriundos da diversidade biológica, ou da biodiversidade presente em terra firme, não há outra via: o manejo florestal voltado para produção de madeira é o único caminho, a única alternativa.
Um retrato sintomático dessa constatação é a Reserva Extrativista Chico Mendes, situada em Xapuri, no Acre. Considerada um ícone do movimento dos seringueiros, por se tratar do local onde nasceu o líder que lhe emprestou o nome, essa foi uma das primeiras áreas a ser reivindicada, pelos próprios seringueiros, para a criação de uma Reserva Extrativista.
Sob custos elevados, a sociedade brasileira aceitou desapropriar quase um milhão de hectares de terras cobertas por florestas, e entregar o seu usufruto aos extrativistas que há gerações ali habitavam – aos quais foi imposta a condição de não desmatar além dos limites estabelecidos para o cultivo de produtos de subsistência (arroz, feijão, milho, maniva), ou seja, destinados ao consumo da própria família.
À imensa porção de florestas restava a exploração por meio da tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo. O seringueiro poderia se qualificar como manejador florestal e ganhar dinheiro – saindo da condição de penúria que sempre lhe caracterizou– mediante a produção de borracha, castanha-do-brasil, copaíba, carne de animal silvestre, sementes florestais – e também de madeira, a imprescindível madeira.
Não é preciso grande esforço para perceber que, dos produtos relacionados, a madeira é o mais lucrativo, o que apresenta maior liquidez e maior facilidade de acesso aos mercados.
O fato é que o manejador florestal residente numa reserva extrativista não consegue manejar e vender carne de paca, queixada, capivara ou de qualquer outro animal silvestre. Também não consegue coletar e vender sementes de mogno, cedro, cerejeira ou de qualquer outra árvore. Pior ainda, não consegue extrair e vender óleo de copaíba, leite de jatobá ou qualquer outro fitoterápico oriundo de espécies florestais.
No âmbito desses três produtos – animais silvestres, sementes e fitoterápicos – o órgão público gestor das Reservas Extrativistas, conhecido pelo sofrível acrônimo ICMBio, impõe uma série de restrições para impedir o manejo florestal e a produção sustentável. Cria, por mais insano que pareça, mais dificuldade para o manejo florestal do que para a criação de boi.
E aí se chega à inevitável conclusão de que a produção comunitária de madeira é, na conjuntura atual, a única saída para as Reservas Extrativistas.
Ocorre que, embora o manejo para produção de madeira também enfrente inúmeros embaraços impostos pelos órgãos de controle, trata-se de um produto com cadeia produtiva consolidada. Assim, a demanda do mercado pela madeira empurra o produtor para o seu manejo. E a despeito dos melindres dos analistas ambientais do ICMBio, que torcem o nariz a cada caminhão toreiro que cruza a Reserva Extrativista, a força de mercado se impõe.
Por sinal, como bem sabem os que vivenciam a realidade da produção florestal comunitária na Amazônia, quando não maneja, o produtor acaba por vender a madeira de qualquer jeito. Esse é, sem dúvida, o pior dos mundos.
Choradeiras à parte, manejar madeira é bom para a floresta e para o manejador. Por isso, a madeira é a única alternativa ao boi na Reserva Extrativista. 


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília. 

Metas ousadas para a COP 21? Nem tanto

* Ecio Rodrigues
Consideradas ousadas até por ambientalistas, as metas que o Brasil apresentará para negociação no âmbito da 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima são, no máximo, provocativas. 
Para explicar melhor. Todas as 196 nações associadas ao sistema ONU devem apresentar e negociar, na COP 21 – a ser realizada em dezembro em Paris, França –, metas para redução de seus níveis de produção de carbono.
Duas datas são importantes na negociação. A primeira assinala o ano de 1992, quando foi assinada a Convenção sobre Mudanças no Clima (durante a Rio 92), e estabelecidos os níveis de referência para a produção de carbono. A segunda define 2030 como prazo-limite para que os países cumpram suas metas, antes que as tragédias climáticas se tornem irremediáveis, e o equilíbrio do planeta entre em colapso.
Resumindo, significa que cada país deve determinar, em números, a quantidade de carbono que deixará de jogar na atmosfera até 2030, tendo como referência o que produzia em 1992.
Uma parte da ousadia brasileira, comemorada por ambientalistas nativos e estrangeiros, atém-se à quantificação. Provavelmente, o país é um dos primeiros, se não o primeiro país em desenvolvimento, a traduzir em números o que pretende fazer para contribuir com a redução das emissões de carbono.
Outra parte da ousadia, igualmente festejada, alude, por sua vez, ao volume da redução pretendida, estipulada em 37% da produção de gases de efeito estufa até 2025, e em 43% até 2030. Números expressivos, sem dúvida – tão expressivos que exigem maior prudência em sua análise.
Ocorre que uma das principais medidas para alcançar esses números diz respeito ao fim do desmatamento ilegal na Amazônia. Essa proposta, aparentemente audaciosa, embute na verdade duas constatações bastante inconvenientes: o desmatamento legal nunca será zerado; e o cerrado continuará dando lugar à soja e ao boi.
Sempre é bom reforçar que a meta se reporta ao desmatamento ilegal, aquele que contraria a legislação nacional há mais de 50 anos – no mínimo desde a aprovação do Código Florestal de 1965. Ao apontar o ano de 2030 como prazo para o fim do desmatamento ilegal, o Estado brasileiro está efetivamente assumindo que a ilegalidade será admitida por mais 15 anos, para só então vir a ser suprimida.
Outra medida essencial para o país cumprir o compromisso assumido na ONU contempla a ampliação do aproveitamento hidroelétrico, o que só pode ocorrer, claro, mediante a construção de novas hidrelétricas. Só no rio Tapajós, por exemplo, sete novas usinas previstas deverão ser licitadas, construídas e entrar em operação até 2030. Ora, se a construção da usina de Belo Monte já tem sido (equivocadamente, diga-se) duramente contestada pelos ambientalistas, o que dizer de outras tantas?
Finalmente, como terceira medida para reduzir sua produção de carbono, o Brasil se propõe a recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas, no intuito de tornar essas áreas novamente produtivas e aumentar a criação de boi na Amazônia, sem desmate de novas florestas. Uma proposta que pode criar mais problemas que soluções.
A história econômica amazônica é farta em exemplos de políticas públicas voltadas para o aumento da produtividade da pecuária e que no final das contas ampliaram, em igual proporção, o desmatamento. O persistente aumento da taxa de desmatamento no Acre, enquanto se observa sua redução no restante da Amazônia, certamente é resultado desse tipo de diretriz.
Controvérsias à parte, aos que comemoraram as metas faz-se um importante alerta: ampliar o valor da floresta na Amazônia é, e sempre foi, a única saída.
Sendo um momento de decisão planetária, a COP 21 representa a oportunidade de os países avançarem na busca de uma economia que substitua o petróleo e amplie a área de florestas. Essa é a meta!          


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.